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À frente da Mugler, Casey Cadwallader fala sobre planos para a marca e funk brasileiro na trilha dos desfiles

Quinto diretor criativo a passar pela Mugler desde que a linha de roupas da marca foi relançada, Casey Cadwallader finalmente a trouxe de volta aos holofotes – com sensualidade, Influência queer e pitadas de funk brasileiro

Aos 12 anos, em New Hampshire (EUA), ele assistiu pela TV ao videoclipe “Too Funky”, de George Michael, e ficou fascinado pelas roupas esculturais e sensuais desfiladas pelas supermodelos. Essa é a primeira memória de Casey Cadwallader sobre as criações de Thierry Mugler (1945-2022), me conta o estilista americano por videoconferência. Assim que começamos a entrevista, ele pergunta de onde falo. Ele visitou o Rio de Janeiro há 12 anos e se divertiu muito.

Cadwallader chegou à Mugler em 2018, após passar por grifes como Loewe e Acne Studios. Sua missão é trazer de volta aos holofotes a marca fundada pelo dançarino- transformado-em-estilista. E parece ter conseguido. Sob seu comando, a Mugler se tornou uma das marcas mais quentes da moda contemporânea, ao traduzir e diluir os códigos de Thierry Mugler de forma ímpar. E, mais que isso, deixou a crítica de moda fascinada como diálogo que estabelece com a cultura e o entretenimento. Cadwallader está atento ao que acontece não apenas na moda, mas aos novos sons e estéticas, e consegue capturar e transmitir o zeitgeist como ninguém. Especialmente no que diz respeito ao universo queer, underground e da cultura LGBTQIAP+. Tudo é codificado com suas influências pessoais, sem se tornar uma marca de nicho, como fez o Sr. Mugler à sua época.

As criações de Cadwallader são marcadas por peças que abraçam o corpo, linhas que contornam as curvas femininas (e masculinas!) e transparências estratégicas. Ao resgatar o couturissime do Sr. Mugler (criações de alta-costura que se assemelhavam ao figurinismo do balé, pelo qual tinha tanto apreço), tem como objetivo trazer um pouco da sensação de estar sobre os palcos para o dia a dia de quem veste suas peças.

Mas perpetuar o legado de um nome tão icônico como Manfred Thierry Mugler não é tarefa fácil. “É preciso respeitá-lo, trabalhar dentro dos códigos e ainda ser você mesmo – encontrar esse equilíbrio”, conta o americano. “A internet e a mídia dizem: ‘Isso não é Mugler o bastante!’, e eu não discordo totalmente. Em seu auge, Thierry Mugler gastava em um único desfile o que nós gastamos em um ano!” Sobre as críticas, diz que se mantém confiante no trabalho e que é preciso ter “casca grossa” nessa profissão

A aprovação do fundador da casa (que se aposentou em 2002) sobre o trabalho de Cadwallader, inclusive, só veio após dois anos. “Não fui o primeiro, mas o quinto a tentar ressuscitar a marca. Imagino que ele estava de saco cheio disso”, conta, bem-humorado. “Demorou um pouco para eu trabalhar o suficiente para ele me notar e dizer: ‘Quero conhecer aquele cara. Gosto dessa peça que vi’. Nós temos muito em comum. Ambos gostamos de ideais únicos de beleza, ao invés dos padrões, e cultivamos um amor pelo corpo e pelas diferentes formas de abraçar suas curvas.” A Mugler foi comprada pelo grupo L’Oréal em 2019 e, antes disso, pertenceu durante 22 anos ao grupo Clarins. Com esta primeira aquisição, em 1997, a linha de roupas foi suspensa, e o Clarins passou a focar apenas na coleção de fragrâncias, encabeçada pelo perfume Angel.

As criações cheias de sensualidade de Cadwallader conquistaram fãs como Beyoncé e Anitta. “Mugler e mulheres brasileiras têm tudo a ver! Elas são ousadas, são sensuais, as adoro”, afirma ele, que também é fã de artistas como Pabllo Vittar e surpreende ao mencionar as Irmãs de Pau, duo de cantoras do funk que conquistou fama na cena underground paulistana, reflexo de seu constante interesse na cultura queer. “Estou sempre empenhado em conhecer pessoas, sons e coisas novas. Para nós, não é apenas sobre roupas, é por isso que tudo é tão performático. Acredito que a moda pode ser entretenimento, pode fazer parte da cultura pop. Não precisa, mas para a Mugler isso faz sentido.”

O apreço pela cultura brasileira não é novidade. Em suas três últimas apresentações (dois fashion films e um desfile presencial), a marca viralizou nas redes sociais por aqui ao , comoos hits “Na Pepeka sem Camisinha” e “Onda da Balinha”. Quando o pergunto sobre os virais e as letras explícitas das músicas, ele responde: “Fiquei sabendo…sim! Acho que alguém engravida, né? (risos)”, diz em referência à primeira música. “Eu amo a música brasileira! Sempre adiciona um brilho, a batida é incrível, é tão sexy. Estou ciente de que é um pouco ousado, mas é Mugler!”

O mais recente desfile da etiqueta, apresentado em Paris em janeiro deste ano, marcou o retorno da Mugler às passarelas físicas pós-pandemia. A apresentação, como poderíamos imaginar, não foi nada comum. As modelos caminhavam com enormes equipamentos de vídeo e áudio e houve diversas interrupções ao longo do desfile. Dentre elas, a da cantora colombiana Arca, que “roubou” uma bolsa da Mugler de um dos espectadores da primeira fila – tudo combinado, é claro. “Foi interessante imaginar algo de duas maneiras: tinha que funcionar para quem estava na sala, ao vivo, mas havia um enorme dispositivo de gravação para transmissão online. Voltar aos desfiles físicos e fazer isso tudo apenas uma vez, sem regravações e sem esquecer a essência do vídeo…Foi assustador e emocionante.”

O casting dos desfiles são sempre particulares. Nomes como Dominique Jackson (estrela da culturaBallroom que ganhou fama internacional com o seriado POSE, da Netflix) se misturam aartistas como Arca, apresentadores como a americana Ziwe e supermodelos, de Mariacarla Boscono a Amber Valletta. Isso é essencialmente importante para Cadwallader: “Nossos castings são formados por pessoas incríveis, obstinadas, profissionais, artistas. O foco não é apenas a aparência, mas sua personalidade. É aí que a beleza realmente está.”

O diretor criativo faz questão de pontuar o cuidado em escolher pessoas com diferentes corpos, expressões de gênero e idades para seus desfiles e campanhas. “Algumas das pessoas mais bonitas do mundo não se parecem com modelos do ponto de vista padrão, e isso não as torna menos bonitas”, afirma. “No fim das contas, como uma pessoa que desenha roupas, quero que elas cheguem ao maior número de pessoas possível. Que muita gente fique feliz e se sinta sexy.”

O americano também espera que seu trabalho possa inspirar outras pessoas. “Quando eu era jovem, ser gay não era algo fácil, não havia representatividade , comecei a conhecer pessoas LGBTQIAP+ quando estava na faculdade. Até aquele momento, eu não tinha ideia de como seria a vida para mim”, diz o americano de 43 anos. E isso se apresenta em seu trabalho, fortemente inspirado pela cultura dos bailes nova-iorquinos, um movimento expressivo de contracultura e resistência dos grupos LGBTQIAP+, negros e latinos nos anos 1980.

Mesmo à frente de uma grande casa de moda parisiense, o estilista parece ainda ter os olhos apaixonados de quem acaba de começar no universo da moda. “Quando eu era jovem, nunca pensei que chegaria a esse ponto. Consegui assistir ao nosso último desfile da sala e demorei dias para me recuperar. Estava tão empolgado e me senti tão orgulhoso que levei quatro dias sentado no sofá para realmente processá-lo. Acho que esse é o meu momento atual de maior orgulho.”

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